PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE
DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO
DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO
DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

Encontro cultural entre dois coros “vizinhos” de terras de chícharo

31 de Julho de 2023

Foi através da internet que a Associação Alva Canto ficou a saber que na localidade italiana de Serra de’ Conti, é promovido, tal como em Alvaiázere, um festival dedicado ao chícharo, existindo também o coro misto de música polifónica, Francesco Tomassini. Foi também, através dos meios digitais, que convidaram este coro a visitar Alvaiázere, por ocasião do Festival do Chícharo.

Tendo o nosso jornal na edição de outubro de 2022 feito a reportagem desta visita, que teve por consequência o convite para que o Coral Alva Canto revesse estes novos amigos do leste da Península Itálica, concretizando-se o reencontro no passado dia 20 de julho até ao dia 24 de julho. Vinte e cinco anos depois, o Alva Canto voltava, assim, a levar o nome do concelho de Alvaiázere ao estrangeiro, com uma comitiva de 29 pessoas, 21 elementos do grupo coral e oito acompanhantes, que rumaram até à Capital do Chícharo de Itália na localidade de Serra de’ Conti, da região de Marche, província de Ancona.

A viagem sucedeu sem percalço, ainda que emotiva, ou não fosse esta viagem o batismo de voo, para alguns dos elementos da comitiva. À saída do terminal, do aeroporto de Bolonha, o Coro Francesco Tomassini, esperava-os de forma calorosa, conforme esclareceu o Presidente da Direção do Alva Canto, Manuel Lourenço, “À nossa espera, uma comitiva com uma faixa a ostentar um explícito “BEM VINDO A ITÁLIA CORO ALVA CANTO”. Assim mesmo, em português, deixando antever o fantástico acolhimento que iríamos experimentar nos dias sequentes”.

E descreveu, “Serra de’ Conti dista cerca de 200 km de Bolonha, um trajeto feito por autoestrada até à estância balnear de Senigália, com os últimos 20 Km a imergirem na região de Marche, por vias que convidam menos à aceleração e mais à observação do meio envolvente.

Ressaltam as cores. O azul do céu (que, em dada altura se chega a confundir com a turquesa do Adriático), contrasta com a paisagem eminentemente agrícola. Aliás, de Bolonha a Serra de’ Conti, quase não se avistam áreas florestais, predominando a agricultura, exprimindo a qualidade dos solos daquela região.

Naquela zona da região de Marche o amarelo torrado das flores de girassol e o verde intenso das respetivas folhas e caules, dobram montes e colinas, encimadas por povoações fortificadas, que noutras vertentes coabitam com restolhos de cereais já ceifados, vinhedos, entre outras culturas. Nas bordaduras e junto aos cursos de água, lá estão as árvores, como que a compor o quadro idílico de algum pintor inspirado. Não é possível deixar de reparar nos carvalhos… À primeira vista, confundem-se com o nosso cerquinho (fazendo-nos crer que estamos em casa; ou será que também estamos…?), mas não! É o carvalho-italiano, muito comum na bacia do mediterrâneo. Por esta altura, já entrámos no concelho (que em Itália se designa por comuna) de Serra de’ Conti.

A vila, altaneira, já se faz ver, a 217 m de altitude. Salta à vista a forma distinta com que as populações se organizam no território. Ao contrário do que sucede na nossa região, em que os lugares se dispersam, ali resulta a concentração. As poucas casas isoladas que surgem são quintas antigas, e trespassa a ideia que as pessoas se concentram para viver em comunidade.

Daí se explique que o concelho de Serra de’ Conti seja pouco maior do que a freguesia de Alvaiázere, mas que nele habitem 3500 almas”.

Depois de alojados o jantar, com os bons sabores italianos, onde não faltaram muitas surpresas, como a entrega de um saco-mochila a cada elemento, com informação diversa, e personalizado com um logótipo especificamente concebido para assinalar o reencontro entre os dois grupos corais.

No dia 21 de julho o grupo foi recebido no Salão Nobre do Palácio da Comuna, sedeado num antigo convento Franciscano, com discurso de boas vindas e troca de presentes.

E segundo o Presidente da Alva Canto, “O Município de Alvaiázere fez chegar a Serra de’ Conti um amplo cabaz de produtos locais, de que se destaca a leguminosa tão acarinhada pelos dois territórios, superiormente acondicionados numa extraordinária cesta de vime, feita artesanalmente no nosso concelho, pelas laboriosas mãos da Isabel Botas. Uma peça que, só por si, se destacava, mas que, com o referido conteúdo, reunia, no seu conjunto, muita da nossa identidade. Para o Município de Alvaiázere veio uma elegante moldura com uma imagem de Serra de’ Conti, que certamente trará sempre à lembrança que, do outro lado da rua desta grande aldeia global, a apenas dois mil quilómetros de distância, há alguns que têm tanto em comum, com que estes que aqui estão.

O Coro Francesco Tomassini, pela sua Presidente (sempre entusiasticamente presente), Rosaria Vernuccio, reservou mais uma lembrança para o coro visitante. Uma surpresa que, certamente, nos irá acompanhar em atuações futuras. Os homens foram presenteados com um laço em madeira com motivos musicais e as mulheres com um pendente em forma de clave de sol, tudo artesanato de Serra de’ Conti “.

Depois da troca de presentes foi efetuada uma breve visita ao Palácio da Comuna, onde funciona os serviços da administração local, sendo também sede de associações, como é o caso do Coro Francesco Tomassini.

Seguiu-se a visita à vila, conforme descreve Manuel Lourenço, “A pedra serve de tapete, asfaltando ruas e ruelas antigas, escadarias, muralhas e torreões de memória medieval. Nas fachadas do casario, predominam os tons de ocre, ora pela tinta espalhada no reboco, ora pelo revestimento do tijolo que cobre muito do edificado, especialmente o mais antigo. Visitámos igrejas (não resistindo a experimentar a acústica, sempre que a vontade de cantar se impôs), locais icónicos de Serra de’ Conti, e o Museu de Arte Monástica, que encerra uma exposição sobre a vida em clausura das freiras carmelitas que viveram em Serra de’ Conti até ao início da segunda década deste século”.

No almoço tiveram a oportunidade de provarem o chícharo de Serra de’ Conti, como entradas de paté de alcachofra de Jesi e de cebola de Suasa, servidos em bolacha de chícharo, com um caldo tépido de chícharos, a acompanhar e uma sopa aromática com chícharo e outras leguminosas…

Após um breve descanso rumaram até à localidade de Corinaldo, que em 2007 foi eleita a “Aldeia mais bonita de Itália”, onde visitaram a casa de Santa Maria Goretti.

O primeiro concerto do Alva Canto em terras italianas aconteceu no claustro de um antigo convento de frades da Ordem de Santo Agostinho, hoje transformado em hotel, que encheu.

Primeiro, ouviu-se o coro local, o Corale Polifonica “Città di Corinaldo”, dirigido pela maestrina Letizia Ricci, que se apresentou acompanhado ao piano, com um repertório de origem italiana. A segunda parte coube ao Coral Alva Canto, com direção do maestro Paulo Serafim. A atuação do coro Alvaiazerense, (apenas “a capella”) procurou mostrar a diversidade do repertório trabalhado pelo grupo, que atravessa várias épocas e estilos. Iniciou a atuação com duas peças renascentistas, ousando cantar a peça italiana “Chi mi dimandarà”, do compositor Hans Leo Hassler. Seguiram-se três temas clássicos, românticos e contemporâneos, e uma terceira parte, com a interpretação de cinco canções portuguesas, quatro da autoria (ou harmonizadas) por Fernando Lopes-Graça e uma de Eurico Carrapatoso.

O grupo deu o máximo de si, esclareceu, Manuel Lourenço, “Cantou-se com a emoção própria de quem quer estar à altura da responsabilidade de representar o nosso país e a nossa terra no estrageiro. O grupo fez dessa pressão inspiração, e, no final, era notória a satisfação dos coralistas, do maestro, mas também do público, que pediu “BIS!””.

No final, os dois coros juntaram-se para cantar em conjunto a peça italiana amplamente conhecida pelo movimento coral, “Signore delle cime”, do compositor italiano Bepi de Marzi.

O dia 22 de julho foi uma ode à cultura, com visita a Urbino, situada a uma hora de viagem de Serra de’ Conti, uma cidade que se destaca pela sua herança renascentista, tendo sido elevado o seu centro histórico a Património Mundial da Humanidade pela UNESCO. É também a cidade natal do grande artista da renascença Rafael, pelo que a sua casa foi visitada.

De volta à Serra de’ Conti e depois de um breve repouso, o grupo juntou-se no jardim do Museu de Arte Monástica, para merendar umas das especialidades locais: “Pane con Guanciale saltato in padella”, ou seja, uma sandes de carne de porco curada laminada e salteada com salva fresca.

A que se seguiu o sarau cultural. A visita do Coro Alva Canto esteve para suceder mais cedo, em junho, altura em que o Coro Francesco Tomassini promove habitualmente a sua “Rassegna Corale”, que, este ano, assinalou 25 edições. O calendário escolar português não era favorável à deslocação de um conjunto amplo de elementos do coro, pelo que o intercâmbio veio a realizar-se em julho, levando ao adiamento excecional do já histórico encontro de coros.

“Di Canto… In Canto”, assim se intitulou o sarau que contou com a participação de três grupos corais, que subiram ao palco do Claustro de São Francisco, do convento com o mesmo nome, com cenários montados e pintados propositadamente para este momento.

O balanço do sarau foi feito, de forma emotiva, pelo presidente da direção da Alva Canto, Manuel Lourenço, “Os tambores ribombaram com uma entrada portentosa do Coro Francesco Tomassini acompanhado das crianças e jovens do Coro Tomassini Júnior, uns com bandeiras italianas, outros com o verde e vermelho da bandeira portuguesa.

Primeiro, subiu ao palco o coro adulto anfitrião. Três peças, no seu total, sublinhando-se a influência da ópera italiana, no respetivo repertório. Vozes sublimes, a expressão dramática na forma de cantar, a alegria na interpretação, superiormente dirigidos pelo maestro Mirco Barani.

Tal como a nossa associação, também a nossa congénere italiana procura estimular o gosto pela música coral nos mais novos. O Coro Tomassini Júnior, dirigido pela mesma maestrina do coro de Corinaldo, Letizia Ricci, apresentou quatro temas, de cariz mais pop.

A última atuação da noite estava reservada para os visitantes. A estrutura do concerto foi idêntica ao da véspera, ainda que com algumas diferenças.

Iniciou-se a atuação como normalmente o Alva Canto inicia, com a peça “Puer Natus in Bethlehem”, de Henricus Beginiker, uma peça renascentista, que pelas suas características também propicia a preparação da voz para a interpretação de outros temas mais exigentes. Ousou-se novamente cantar em italiano, repetindo-se o tema “Chi mi dimandarà”, de Hans Leo Hassler. Aparentemente, passou-se com distinção no exame linguístico.

A componente clássica da atuação teve um “Ave Verum”, do compositor romântico Charles-Camille Saint-Saëns, seguindo-se o tema “Ubi Caritas”, do compositor contemporâneo Ola Gjeilo, peça que o coro começou a preparar na pandemia, num trabalho individual decorrente do confinamento que se impôs, e que, curiosamente, o Coro Franceso Tomassini também canta.

E entrou-se na parte da atuação integralmente constituída por música portuguesa, com raízes em várias regiões do nosso país. Através de um trabalho conjunto entre os dois coros, as peças foram apresentadas em italiano, possibilitando a contextualização cultural de cada uma.

“Canção da Vindima”, de Lopes-Graça; “O que me diz o vento de Serpa (I – Sombras)”, de Eurico Carrapatoso, a “A Senhora d’Aires” e “Ó Senhora do Amparo!”, ambas de Lopes-Graça, foram entoadas no Claustro de São Francisco, completamente repleto de público.

Lugar ainda para a estreia da peça “Três Esconjuros”. Temas populares, também harmonizados por Lopes-Graça, que se fundam nas rezas e ladainhas populares, de origem profana, que os antigos rezavam contra o mau-olhado, contra o temor das trovoadas, ou para a proteção da fidelidade matrimonial”.

Depois desta interpretação, muito aplaudida, surge um momento infeliz, em que uma pessoa do público, nonagenário, e por coincidência, pai da presidente do coro anfitrião, sente-se mal, havendo necessidade de se interromper o sarau, que foi socorrido por profissionais de saúde presentes, que confirmaram ser um episódio sem gravidade maior.

O apego pelos italianos à arte e ao palco levou o Coro Alva Canto a concluir a sua atuação, com o tema “Acordai”, com letra de José Gomes Ferreira e música de Fernando Lopes-Graça. Uma ode aos valores da liberdade e da democracia, caros a povos que comungaram das agruras do fascismo, como o italiano e o português.

E Manuel Lourenço continuou o seu relato do final do sarau, “O público gostou e pediu mais. Cantou-se mais uma, também de Lopes-Graça, adequada ao momento já nostálgico, que todos experimentavam: “São Horas de Embalar as Troixas”, acabando com os coralistas a todos acenar. Cantou-se esta, que se repetiu por outra vez, recenando, como quem diz adeus, podendo-se querer também dizer “até já”.

Encetaram-se os agradecimentos finais. O Coro Fransceso Tomassini entregou ao Alva Canto uma placa comemorativa do momento, cabendo-me a missão de retribuir, oferecendo uma que se prestava ao mesmo fim. E os bons vizinhos voltaram a surpreender. Desta feita, dedicando um poema a este tempo e lugar de encontros, que há de estar em merecido destaque, na nossa sede.

Na intervenção que tive a oportunidade de efetuar, lembrei todos aqueles que, integrando o coro, por alguma razão não puderam participar nesta deslocação a Serra de’ Conti, a primeira de outras que certamente virão. Foi ainda entregue uma oferta em nome do Município de Alvaiázere, sempre lembrado, pelo apoio concedido à realização desta jornada.

A Canto Firme de Tomar (que recebeu o Coro Francesco Tomassini, num dos dias da estadia em Portugal, no ano passado) também remeteu uma oferta a entregar naquela ocasião e uma outra da RECHAPAL, S.A. O mundo é de facto uma aldeia. Se não o é, como se explica que esta empresa Alvaiazerense tenha como parceiro comercial uma outra, da região de Serra de’ Conti? Mais uma feliz coincidência, para reforçar o que de muito em comum já se sabe existir entre os dois territórios.

A Presidente da Câmara Municipal, Letizia Perticaroli, e o Vereador com o pelouro da cultura, Luca Bevilacqua (velho conhecido da comitiva Portuguesa, por se ter deslocado a Portugal em setembro passado, acompanhando o coro Tomassini), também intervieram, sublinhando o papel do chícharo e da música na criação de laços que perdurarão, entre Alvaiázere e Serra de’ Conti. Cantemos, pois, para glorificar a amizade! Que seja em italiano (para a próxima poderá ser em Português): os dois coros, em conjunto, interpretam “Signore delle cime”, sob o amplo aplauso do público que resistia a mais de duas horas de concerto”.

Depois da missão cumprida seguiu-se a festa com uma ementa requintada em iguarias da região, sobremesas caseiras, vinho Verdicchio fresco e muita música, até altas horas da manhã.

O dia 23 de julho foi passado na magnífica cidade de Bolonha, capital da região de Emilia-Romagna, que terminou com um jantar em pleno e são convívio, permitindo reforçar laços de união e amizade, que ficarão para sempre na memória de todos.

O dia 24 de julho, marcou o regresso a Portugal e nesta aldeia global, Manuel Lourenço, descreveu com humor a viagem, “Atravessámos a rua. Primeiro de avião, e depois em autocarro do Município de Alvaiázere, que nos trouxe a casa, sãos, seguros e mais ricos. Muito mais ricos!

E ao chegar a Alvaiázere, uma mensagem de Itália, a perguntar por novas: “correu tudo bem com a viagem?” … São ou não são bons vizinhos, estes nossos amigos de Serra de’ Conti?”.

E deixou um agradecimento, “ao Município de Alvaiázere, à Junta de Freguesia de Alvaiázere, à Junta de Freguesia de Maçãs de Dona Maria, ao Padre André Sequeira, ao grupo “Tomar-lhe o Gosto” e a todos os particulares que, de forma anónima e desinteressada, se solidarizaram com a iniciativa em causa, contribuindo para que este intercâmbio cultural fosse uma realidade”.