PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE

DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO

DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

Filha de emigrantes alvaiazerenses foi heroína nos atentados de Paris

O dia 13 de novembro ficará marcado na História pelos piores motivos possíveis: a capital francesa voltou a ser alvo de atentados terroristas levados a cabo pelo Estado Islâmico, como já tinha acontecido no início do ano, com o massacre no jornal satírico Charlie Hebdo. Desta vez, os atentados decorreram em cinco locais diferentes, fazendo 137 mortos e mais de 350 feridos, uma centena em estado grave.

O ataque mais mortal ocorreu no Teatro Bataclan (Boulevard Voltaire, no 11º arrondissement), onde mais de 1500 pessoas assistiam ao concerto da banda americana Eagles of Death Metal. Os terroristas entraram a disparar indiscriminadamente, provocando a morte a cerca de uma centena de pessoas.

É deste cenário de guerra que nos chega o testemunho de Natália Teixeira Syed, nascida em Bondy (arredores de Paris) filha de emigrantes portugueses, mais concretamente do lugar da Botelha, na freguesia de Pelmá. Natália é casada há vinte anos com Gabriel, paquistanês e muçulmano, com nacionalidade francesa, país onde chegou em 1991 após ter sido obrigado a deixar o seu país por motivos de ordem política.

Em declarações ao Jornal “O Alvaiazerense”, Natália começou por afirmar que era uma noite normal em família: “estávamos a ver o jogo de futebol entre França e Alemanha, e um pouco antes do intervalo disse à minha filha Laëtitia, de 17 anos, para irmos beber um café próximo do Bataclan e deixarmos os homens (o marido Gabriel e os filhos Lionel e Noa, de 11 e 7 anos, respetivamente) a ver o jogo.” Entretanto, enquanto a filha se vestia para sair e Natalia pôs o filho mais novo a dormir, Gabriel recebeu uma mensagem escrita de um amigo que dizia “há tiros ao pé da tua casa!” Natália continuou: “eu e o meu marido corremos de imediato até ao portão do prédio para ver o que se passava, começamos a ver pessoas a correr pelas ruas, a polícia passou e alertounos para nos escondermos depressa!”.

Passados cerca de 30 minutos, já depois de a filha ter ligado a televisão e todos ficarem a par da situação, foram os bombeiros e a polícia que pediram a Natalia e Gabriel para abrir o portão do seu prédio e deixar entrar as vítimas para o corredor. “Numa primeira fase, acolhemos cerca de dez pessoas em nossa casa, eram pessoas que estavam em frente ao Bataclan e no café onde éramos para ir, estavam totalmente em estado de choque. Decidimos guardar o corredor para as vítimas mais graves”, frisou Natália.

Depois disso ouviu-se um novo tiroteio, mais intenso, que durou alguns minutos, e foi a partir desse momento que o corredor do prédio se transformou num hospital improvisado: “começaram a chegar pessoas com ferimentos muito graves, sobretudo nas pernas e na barriga…foi horrível”, descreveu Natália. Juntamente com o marido, a filha e alguns vizinhos fizeram o que podiam, distribuindo água, cobertores, lençóis e almofadas para socorrer as vítimas. O corredor mesmo em frente ao seu apartamento acolheu cerca de 50 pessoas, e nele foram feitas quatro operações.

No final, o que ficou foi um cenário de “horror total”, como contou Natália: “depois de as pessoas que estavam em estado de choque terem sido levadas pela equipa da Câmara do 11º arrondissement e os feridos transportados para os hospitais mais próximos, o meu corredor estava cheio de sangue, material dos bombeiros, roupa e calçado! Começamos a lavar tudo por volta das 2h30 da manhã e só terminámos às 4h”.

Apesar dos esforços, sete pessoas acabaram por falecer no seu prédio, o que deixou Natália e a sua família profundamente tristes, pelos que perderam a vida e pelos seus familiares, que começaram a ir regularmente a sua casa com fotografias perguntar se reconheciam alguém. O seu único conforto e alívio é saber que fizeram tudo o que puderam para ajudar o máximo de pessoas possível, naquilo que descreveu como “um ato completamente natural e reflexivo, que voltaria a fazer sem hesitar”.

Gabriel fez questão de sublinhar que “os terroristas não têm nada a ver com o Islão porque são humanos com coração de pedra”, afirmando que “os muçulmanos xiitas são as primeiras vítimas dos terroristas”. Já Natália, que nunca se converteu, admitiu que se tornou uma pessoa “muito mais atenta ao que a rodeia” e que naturalmente teme agora pela segurança dos filhos e pelos ataques contra os muçulmanos.

Cláudia Martins