PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE

DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO

DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

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Um passeio pela vila de Alvaiázere em 1875

Continuação do número anterior

Lançando agora nossas vistas para o poente da villa, e a pequena distancia, vemos a serra que roubou o nome áquella, toda coroada de oliveiras, ha pouco plantadas por mãos laboriosas, e donde se proveem de matto e lenhas os povos visinhos. É n'este ponto de vista, o mais sublime, que se offerece á nossa vista um lindo panorama, e é o fertilissimo e immenso campo, chamado d'Alvaiazere, todo povoado de oliveiras e de outras muitas variadas arvores gigantescas e fructiferas, campo que produz admiralmente trigo, milho e cevada: havendo, além d'isto, nas faldas da serra que se dirigem á villa, um bosque continuo de frondozissimos carvalhos: e nas que se dirigem para o poente da mesma serra, alguns hectares de terreno cobertos de grande copia de azinheiras, cujo fructo engorda muitas manadas de porcos.

Antigamente estava a serra toda coberta d'outras arvores, bosques de medonhos, alecrim e murta: porém as queimadas e as lenhas que d'ali teem tirada hão feito desaparecer os bosques de que ainda se pòde ajuizar, vendo o pequeno logar da Bocca da Matta todo coberto d'arvoredo.

Este lugar fica na encosta da serra, bem como a capella de Nossa Senhora dos Covões que assim se appellida por causa d'uns algares que alli ha perto na mesma serra. A imagem que se venera na capella foi por muitos annos objecto do culto de innumeros romeiros que de longe vinham cumprir as suas promessas á Senhora. Hoje que o zelo religioso tem esfriado bastante, já não é tão frequentada a sua romaria: porém, lá está a sua capella, o seu breve Pontificio, a sua irmandade que attestam a piedade e devoção dos nossos maiores, bem como as festas que todos os anaes ali fazem, provam que ainda não afrouxou o amor que em todos os tempos lhe consagraram os povos circumvisinhos.

Foi esta capella fundada em 1400 da nossa éra, e o motivo de sua fundação foi o seguinte: – tendo uma pastora ido para aquelle sitio com os seus rebanhos, encontrou ali a imagem da Virgem, que ora se venera, mettida n'uma gruta talhada na pedra; d'ahi a levou para casa algumas vezes, mas a imagem era encontrada na serra. O que, averiguando e reconhecida pelos póvos d'aquelle tempo, concorreram em grande numero a visitar a Senhora e a trazer-lhe todos os annos, na época do seu desaparecimento, as promessas que tinham feito, quando nos seus trabalhos, afflicções, ou doenças, imploravam a sua efficaz intercessão. Ainda ali, entre outras offerendas, se vê a d'uma lamina de prata offerecida por um conego de Evora em 1600, referindo o milagre que a Senhora operou em seu favor. Ainda tambem se vê um grilhão de ferro que um captivo em terras de mouros, trouxe á mesma Senhora como signal do seu captiveiro, de que ella o livrou milagrosamente. Enfim, a imagem que existe na capella não se pode negar ser uma d'aquellas que os christãos, perdida a sua independencia nos campos que atravessa o rio Guadalete em 714 da nossa era, morto Rodrigo, ultimo rei Godo, perseguido por Tarif e seus capitães, conduziram às serras e brenhas, que escolheram para escaparem a seus inimigos. Tudo ali indica que para lá se retiraram os perseguidos em differentes épocas: que la se fortificaram e succumbiram em porfiadas lutas, ou se retiraram afinal deixando escondidas em algares profundos as riquezas que tinham trazido das cidades e vilas; e que, confiadas à guarda da "moura encantada", debalde se teem procurado, apesar d'alguns terem encontrado a "moira" que, penteando os seus cabellos d'ebano, tem desdenhado responder ás perguntas dos ambiciosos, desapparecendo prestes para logar desconhecido.

Continua na próxima edição