Muito se tem falado nos últimos anos sobre as datas da fundação das diversas filarmónicas do Norte do Distrito de Leiria. Muitas dessas datas, todavia, permanecem ainda na obscuridade de livros, manuscritos, arquivos ou outros documentos, um pouco espalhados pelo nosso país.
A data da fundação da Filarmónica de Alvaiázere permanece, nos dias de hoje, desconhecida. Damos nota, neste momento, de dois artigos jornalísticos oitocentistas que nos permitem atestar a sua actividade entre 1855 e 1862.
Naquele tempo, como na atualidade, deveremos reconhecer que a prática musical destas filarmónicas contava com uma forte componente de temas religiosos. Uma realidade, aliás, intimamente ligada à história dessas agremiações artísticas, sobretudo porque uma das atribuições maiores dessas formações musicais consistiu sempre em acompanhar festas de carácter religioso. Mas há que reconhecer, também, que os temas musicais de cariz profano recebiam igualmente a atenção dos músicos dessas filarmónicas.
No jornal O Leiriense n.º 134, Ano 2.º, datado de 17 de Outubro de 1855, um alvaiazerense de nome Bernardino José Lopes, músico da Filarmónica de Alvaiázere, publicou um relato, pequeno mas elucidativo, das festividades da Imaculada Conceição que tinham decorrido a 9 de Setembro desse ano naquela vila. Pela sua importância documental reproduzimos esse apontamento, aqui, na íntegra: "Sr. redator. – Passo a noticiar-lhe que tanbem Alvaiazere festejou a Imaculada Conceição da Virgem. Foi um dia cheio para esta terra, interessando na festividade todas as pessoas principais sem excéção, como não era de esperar outra coiza. Teve isto logar ao domingo 9 do corrente. A vespora que já devia dar signais d'alegria, esteve medonha do meio dia por diante com trovoada e chuva, e a noite aprezentou-se terrivel pelas descargas de materia eletrica. Felizmente a manhã do domingo deu sinais de bonança, e com efeito o dia esteve bom e correspondeu aos nossos dezejos.
Participou a festividade por atos de penitencia implorando ao Altissimo, que por intercessão de S. Sebastião nos livrasse do flagelo da cólera, e também nos exterminasse o mal das vinhas, que por aqui morreram. Pregou sobre esta materia o reverendo prior de S. Pedro do Rego da Murta, Joaquim Simões Barriga, o que fez condignamente, e foi celebrante o muito reverendo e respeitavel fr. Jozé dos Prazeres, de Figueiró dos Vinhos. Executou-se a missa Ostrenold pelos filarmonicos d'Alvaiazere, que me parece não se terem saído mal, mas n'esta parte devo ser suspeito por fazer parte da filarmónica. Finda a missa conservouse o Sacramento Exposto e pelas 4 oras se procedeu ao Te Deum da muzica de Baldi, findo o qual prégou o muito reverendo Arcipreste e atual prior d'esta freguesia João Simões Louzã, o qual fez uma brilhante, e eloquente oração sobre a Imaculada Conceição, finda a qual se procedeu á ladainha de Nossa Senhora, acompanhada a instrumental. Seguiu-se a procissão, que esteve a mais vistosa, que aqui tem avido, em razão de terem concorrido todas as irmandades do concelho, por convite do muito reverendo Arcipreste, as quais de boa vontade se prontificaram para este ato, indo na procissão dois andores ricamente ornados, um com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, e outro com a S. Sebastião.
É escuzado dizer, que tanbem anjinhos perfeitamente aderessados acompanharam todos estes atos a que se dignaram assistir todas as autoridades do concelho, municipais, administrativas e judiciais. Acabou de noite a festividade com um vistozo fogo d'artificio, que durou até á meia noite, ao qual assistiu a filarmonica tocando diversas peças.
Assim findou um dia inteiro de festa, á qual assistiram para cima de tres mil pessoas, que se despediram com saudade, e comovidos por tão solenes e religiozos átos.
Sou de v… etc.
Alvaiazere 15 de setenbro
Bernandino Jozé Lopes."
(Continua na próxima edição)