Em Portugal, apesar do decréscimo da natalidade, verificamos que, para o bem e para o mal, continua a ser um país fértil em chicos-espertos. A maioria das vezes, achamos graça e até orgulho a esta capacidade de desenrascanço e somos naturalmente benévolos e passivos a esta criatividade bem vincada. Quando a coisa nos vai aos bolsos ou toca nas nossas convicções, o caso muda de figura.
O chico-espertismo apresenta variáveis. Vejamos os casos de alguns chicos- -espertos que, não olhando a meios e de forma oportunista, tentaram “passar a perna” para atingir os seus fins.
Tivemos conhecimento, pelos meios de comunicação social, que a um político, acérrimo detrator do capitalismo e paladino dos inquilinos vítimas especulação imobiliária, se aplicava na perfeição o ditado popular “Bem prega Frei Tomás, faz o que diz, não faças o que ele faz”. Aceita-se que, no limite, não tenha cometido qualquer ilegalidade, mas não se entende que a direção do seu partido o tenha defendido publicamente.
Após os catastróficos incêndios que devastaram o centro do país, causando dezenas de vítimas e a destruição de várias casas, os portugueses mobilizaram- se (sim, também somos um povo solidário), reunindo-se donativos no valor de vários milhões de euros. Estes destinavam-se necessariamente e compreensivelmente, a acudir às situações urgentes e mais gravosas, ou seja, reconstrução das denominadas casas de primeira habitação.
Claro que alguns chicos-espertos aproveitaram a benevolência, descuido, incapacidade, desorganização, compadrio ou outra coisa qualquer, para passar à frente de quem perdeu tudo. Como? Recorrendo ao mesmo truque: a mudança da sua morada fiscal para estas casas, casas de férias e outras não elegíveis, já depois do incêndio.
Também, há alguns meses, fomos confrontados com outra situação parecida. Alguns ilustres deputados, residindo em Lisboa ou arredores, tinham a residência oficial muito longe dali para terem direito ao subsídio de deslocação (quase um ordenado).
Quando, ao mais alto nível da nação, estas situações acontecem e, mais grave, são justificadas e abafadas, o que poderemos pensar?
Finalmente, que valores transmitirão os pais aos filhos quando, para os matricularem em determinadas escolas, recorrem ao esquema de arranjar uma morada falsa?
Estaremos condenados a replicar a chico-espertice?