Estranha forma de viver
Foi por vontade de Deus
Que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.
Que estranha forma de vida
Tem este meu coração:
Vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.
Coração independente,
Coração que não comando:
Vive perdido entre a gente,
Teimosamente sangrando,
Coração independente.
Eu não te acompanho mais:
Para, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
Porque teimas em correr,
Eu não te acompanho mais.
Iniciei este breve artigo com o poema “Estranha forma de viver” de Amália Rodrigues.
É uma forma singela de homenagear a maior cantora portuguesa do século XX que, divulgando, aos quatro cantos do mundo, a canção genuinamente mais portuguesa, o fado, elevou Portugal e divulgou a poesia dos nossos grandes poetas.
Amália Rodrigues, de seu nome completo Amália da Piedade Rebordão Rodrigues, de origens beirãs, nasceu, por acaso, em Lisboa, quando os seus pais visitavam os avós maternos e foi registada em 23 de julho de 1920. Faria, se fosse viva, cem anos.
De origens humildes e para ajudar no sustento familiar foi aprendiza de costureira, de bordadeira e operária de uma fábrica de chocolates e rebuçados. Mais tarde, com a sua irmã Celeste, vendeu fruta à percentagem, pelas ruas de Alcântara onde residia.
Desde muito nova mostrou aptidões ímpares pelo canto e, com 15 anos, foi escolhida para cantar o “Fado Alcântara” como solista, nos festejos dos Santos Populares, acompanhando a Marcha Popular do seu bairro.
A partir desse evento, iniciou longa carreira repartida por casas de fado, cinema, discos e escrita.
Amália Rodrigues destacou-se, também, pela forma como introduziu inovações na postura e indumentária dos fadistas, como é o caso do uso sistemático do vestido e xaile negros, e do posicionamento à frente dos guitarristas.
O interesse pela poesia erudita foi mais uma novidade imposta pela fadista que ajudou a divulgar os grandes poetas portugueses.
Neste momento de incerteza em que vivemos, talvez seja terapêutico, ouvir, ler e, mesmo que se desafine, cantar Amália.