No passado mês de Fevereiro, o país acordou sobressaltado com o anúncio do Governo de mais de uma dúzia de medidas destinadas a revitalizar o parque habitacional, sinteticamente designado por “Mais Habitação”, com vista a aumentar a oferta de imóveis para esse fim, mormente nos centros urbanos.
É certo que há mais de uma década que não se conhecem medidas políticas estruturantes para dar resposta a uma necessidade cada vez mais premente de acesso à habitação, sobretudo pelos jovens que, após conseguirem emprego, desejam muito legitimamente constituir família e que, quando confrontados com essa impossibilidade, optam, na sua maioria, por emigrar com óbvios prejuízos para o país.
Entre as medidas anunciadas contam-se, nomeadamente: a conversão para uso habitacional dos imóveis construídos para o comércio ou serviços sem utilização; o arrendamento, pelo Estado, de casas disponíveis para subarrendamento a outras pessoas; o arrendamento das casas aos senhorios após três meses de não pagamento das rendas pelo inquilino, assumindo o Estado os pagamentos devidos mediante a respectiva cobrança do seu valor, o apoio nos pagamentos ou o despejo dos inquilinos; financiamento aos municípios para realização de obras coercivas em casas devolutas e sua reinserção no mercado; o arrendamento coercivo de casas devolutas; a simplificação dos processos de licenciamento de construção de habitações; o fim dos vistos “Gold”; a proibição de novos alojamentos locais com excepção de alguns concelhos do interior do país e mais alguns benefícios fiscais relacionados com esta matéria.
De todas estas medidas, anunciadas para apreciação e discussão pública e a serem submetidas, em Março, à Assembleia da República para aprovação, a que suscitou maior controvérsia foi a do arrendamento compulsivo pelo Estado das casas devolutas, salvaguardadas algumas excepções como as casas de praia, de emigrantes, de pessoas a desempenhar missões no estrangeiro ou em reabilitação. Com efeito, logo de imediato, surgiu um imenso coro de vozes apelidando a medida de inconstitucional por violação do direito de propriedade.
Mas estará uma tal medida ferida de inconstitucionalidade, à luz dos princípios e do normativismo constitucional constante da Constituição da República Portuguesa, bem como da Jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC)? Na nossa modesta opinião, cremos que não.
Desde logo porque, em detrimento das teorias mais liberais, prevalece actualmente, o entendimento de que não há direitos absolutos e incondicionados no ordenamento jurídico actual, devendo o direito de propriedade, tal como muitos outros, subordinar-se ao alcance do fim social comunitário a que se destina, sendo este o entendimento acolhido por várias Constituições europeias, designadamente a Alemã, a Espanhola e a Italiana).
E, por cá, a jurisprudência do TC tem reafirmado este mesmo entendimento em vários dos acórdãos emitidos, devendo notar-se que a obrigatoriedade do arrendamento, ainda que contra a vontade do proprietário, tem como contrapartida o pagamento de uma renda justa pela utilização forçada do imóvel ao fim a que o mesmo se destina.
Certamente ainda correrá muita tinta sobre esta temática, mas concordando ou discordando das medidas anunciadas, elas têm, pelo menos, o mérito de tentar minimizar a caótica situação de carência habitacional. Se vão resultar ou não, o tempo dirá.