PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE

DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO

DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

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Metadados, o Carmo e a Trindade

Nas últimas semanas, para além da guerra que continua a ceifar vidas, falouse abundantemente de Metadados, a ponto de quase cair o Carmo e a Trindade devido a uma decisão do Tribunal Constitucional (TC) que veio declarar inconstitucionais alguns artigos da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, também conhecida por lei dos metadados.

Esta lei obrigava as operadoras de telecomunicações a preservarem os metadados de todos os seus clientes pelo prazo de um ano, os quais poderiam ser acedidos para efeitos de investigação, detecção e repressão de crimes graves pelas autoridades competentes.

Mas, afinal, o que são metadados? De uma forma simplista podemos dizer que são o rasto ou os vestígios deixados por cada um de nós quando usamos um telemóvel ou utilizamos um computador, nomeadamente a hora de início e termo da chamada, os interlocutores e sua localização, bem como, no caso dos computadores ou de qualquer dispositivo que aceda à internet, as horas de entrada e saída, a localização e duração dos acessos e o endereço IP (número identificativo de cada dispositivo).

Apesar de o conteúdo das comunicações estar excluído dos metadados, não é difícil perceber que tais dados respeitam à reserva da intimidade da vida privada e familiar de cada cidadão, estando por isso mesmo protegidos pela nossa Constituição (CRP) e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Após a publicação do acórdão do TC, assistiu-se a um vasto manancial de opiniões e declarações públicas vindas dos mais diversos quadrantes sociais, incluindo os mais altos representantes políticos, que criaram um inusitado alarmismo assente basicamente na ideia de que a declarada nulidade da lei faria reabrir os processos judiciais já encerrados, inquinaria os que estão a correr nos Tribunais e deixaria o país indefeso no combate à criminalidade. Mas será exactamente assim? Vamos por partes. A reabertura dos processos judiciais já encerrados definitivamente, isto é, sem possibilidade de recurso, está expressamente vedada pela CRP, no artigo 282º, nº 3. Os que correm nos Tribunais seguirão os seus trâmites tendo em conta a decisão do TC e o demais quadro legal aplicável. Já no que respeita à investigação e combate à criminalidade haverá, no imediato, uma maior dificuldade resultante da impossibilidade de acesso aos metadados pelas autoridades competentes que subsistirá enquanto o legislador não alterar a lei.

Para obviar a esta dificuldade – que é séria e preocupante – esperemos que o legislador seja célere a actuar, o que nem sempre acontece apesar das promessas dos nossos responsáveis políticos. E neste caso nem sequer podem alegar desconhecimento, pois a referida lei era baseada numa Directiva europeia que, em 2014, veio a ser declarada inválida pelo Tribunal Judicial da União Europeia (TJUE), decisão esta obrigatória para todos os Estados Membros.

Aqui chegados, a pergunta que se impõe é se oito anos não foram mais do que suficientes para que tais responsáveis tivessem procedido à alteração da lei, sanando-a das invalidades apontadas e declaradas pelo TJUE? Ou seja, sendo o problema conhecido durante todos estes anos, ao invés de o terem resolvido oportuna e tempestivamente, como se exige de qualquer responsável político, os mesmos preferiram assobiar para o lado e agora, confrontados com a óbvia decisão do TC, ainda encenaram um coro de lamentações e de falso fingimento como se de nada soubessem…!

Como diria aquela conhecida figura da nossa comédia, “não havia necessidade”.