No momento em que escrevo, a bola já começou a rolar no estádio Al-Bayt, entre as equipas do Qatar, país anfitrião, e do Equador, dando início ao mundial de futebol-2022 marcado por várias polémicas.
O Qatar é um pequeno e rico país do golfo pérsico, de regime monárquico, sob a égide da lei muçulmana fundamentalista, vizinho da Arábia Saudita e do Irão, com cerca de 2,8 milhões de habitantes, dos quais apenas 300 mil (12%) são cidadãos locais. Os restantes 2,3 milhões são imigrantes estrangeiros, oriundos de países pobres como o Bangladesh, Nepal, India, Paquistão e SiriLanka, que são “pau para toda a obra”.
No Qatar os direitos humanos são praticamente inexistentes, a igualdade de género é uma miragem, embora as mulheres possam conduzir, não são permitidas manifestações públicas de afecto entre homens e mulheres e a homossexualidade é crime punível com pena de prisão até sete anos.
Riquíssimo em gás natural, tem o maior PIB per capita do mundo (61.276 USD em 2021) e os catarianos não trabalham nem sequer pagam impostos. No entanto, não tem tradição futebolística e, por isso, muito se estranha que a FIFA, organização que comanda o futebol internacional, tenha escolhido o Qatar para disputa do mundial de futebol-2022.
E mais se estranha ainda quando, à data da decisão, em finais de 2010, o Qatar não dispunha sequer das infra-estruturas necessárias para realização dos jogos nem para alojar e acomodar os participantes, acompanhantes, adeptos e visitantes, nem da temperatura ideal para a prática futebolística. Isto determinou que os jogos sejam realizados ao fim do dia e a construir de raiz oito estádios futebolísticos que, findo o mundial, para nada servirão e a realizar, durante os 28 dias do campeonato, cerca de 160 voos diários para transporte de adeptos e visitantes alojados nos países vizinhos.
Estima-se que na construção dos Estádios tenham trabalhado, durante 10 anos, mais de 30.000 trabalhadores imigrantes, maioritariamente oriundos do Bangladesh, India, Nepal e Filipinas, e que, nesse período, mais de 6.500 tenham morrido vítimas de acidentes de trabalho.
É, pois, no contexto acima evidenciado que vai realizar-se o mundial de futebol-2022, no qual participam as selecções de 32 países, entre elas a do Qatar que no ranking da FIFA ocupa o 102º lugar e que, se não fosse a anfitriã deste, jamais se conseguiria apurar para um mundial. Ao que tudo indica, na qualificação para organizador deste mundial terá sido decisiva a paixão do Emir pelo desporto rei e a persuasão dos gasodollars sobre o colégio eleitoral da FIFA.
Em suma, ainda que escasseiem adeptos de futebol no Qatar, que os direitos humanos sejam inexistentes ou ignorados, que haja discriminações de género e que a maioria dos residentes sejam imigrantes para fazer os trabalhos domésticos e manuais de toda a espécie, o Emir gosta de futebol e o dinheiro que não falta, antes abunda, fará acontecer tudo o resto. Aliás, só o dinheiro trocado em subornos vários explica que o Qatar tenha visto aprovada a sua candidatura para realizar este mundial e que Sepp Blatter, Presidente da FIFA na altura, tenha vindo dizer agora que a escolha do actual anfitrião foi um erro.
Um erro e uma vergonha que devem ser denunciados por quem gosta de futebol e respeita os direitos humanos.