Os portugueses vão novamente às urnas a 10 de março, no decorrer de uma legislatura abruptamente interrompida, a meio do seu curso, por demissão do Primeiro Ministro (PM) e convocação de eleições pelo Presidente da República (PR), no uso dos seus poderes constitucionais.
O PR podia não ter optado pela convocação de novas eleições e incumbido o PS, partido vencedor das eleições anteriores, de indicar um substituto para PM, formando este um novo governo que, observadas as demais formalidades legais, completasse a legislatura e o mandato que os eleitores lhe haviam atribuído por maioria absoluta.
Ambos os cenários são possíveis e conformes à Constituição da República (CRP) mas, ao optar por novas eleições, o PR sobrepôs-se à decisão sufragada pelos eleitores portugueses que haviam escolhido o PS para os governar durante quatro anos. Ao decidir como decidiu, sem consultar os eleitores, o PR interrompeu e alterou, unilateralmente, os pressupostos em que os portugueses haviam fundado a sua decisão, o que, enquanto eleitor, me deixa um tanto ou quanto intranquilo.
É claro que nestas eleições de março, o partido que as ganhar irá, em princípio, formar governo e governar durante uma legislatura completa de quatro anos, como é normal, desde que não venha a verificar-se nada de semelhante ao que aconteceu.
E se, porventura, na próxima legislatura vier a verificar-se uma situação similar, deverá o PR aplicar solução idêntica à que tomou desta vez?
Em meu modesto entender, acho que não, essencialmente por duas razões: primeira, porque votamos em partidos – cujo símbolo consta no boletim de voto – e não em pessoas; segunda, porque, através do meu voto, estou a conferir legitimidade e a dar confiança ao partido em que votei para governar durante uma legislatura inteira, finda a qual irei avaliar a forma, positiva ou negativa, como governou.
É claro que os partidos, como qualquer instituição colectiva, só funcionam e actuam com e através das pessoas, mas não pode concluir-se daí – como, ao que parece e para simplificar, terá feito o PR – que é esta pessoa e não aqueloutra que personifica ou é representativa do partido em que votamos. Essa não é, a meu ver, a melhor forma de perceber a essência e o funcionamento das pessoas colectivas, ou seja, dos partidos políticos que tomam as suas decisões e fazem as suas escolhas através dos membros dos respectivos órgãos.
Então quer isto dizer que o PR, ao decidir como decidiu, agiu à margem dos poderes que lhe são conferidos pela Constituição? Obviamente que não, pois, apesar do que acima referimos, ainda assim, essa possibilidade é-lhe constitucionalmente permitida quando for necessária para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas. A dúvida insanável que para sempre subsistirá é a de saber se esse regular funcionamento da vida democrática seria afectado caso o PR, ao invés de ter ido pela via que trilhou e de ter dissolvido a Assembleia da República, tivesse optado por aceitar o candidato a PM que o PS viesse a indigitar. A única certeza é que nunca o saberemos mas, apesar das suas insuficiências, a democracia continua a ser, de todos os sistemas políticos, o menos imperfeito. Por isso caro leitor, no próximo dia dez não deixe que os outros decidam por si e vote!