PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE

DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO

DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

acilio_godinho_0

O país, as gémeas e a cunha

Decorrido mais um ano, seria apropriado fazer um balanço das suas efemérides mais marcantes, quer pela positiva, quer pelo seu negativismo. No caso português, julgo que não será preciso um grande esforço de memória para concluir que 2023 foi fértil em casos muito pouco edificantes para uma democracia à beira do meio século.

Com efeito, o país afundou-se no meio de casos e casinhos e os portugueses viram a sua existência cada vez mais ameaçada pelas crescentes dificuldades em assegurarem a sua sobrevivência pessoal e familiar.

Da minha “Janela” comentei, mensalmente, alguns desses eventos com especial incidência sobre os mais negativos e termino com o caso das gémeas luso-brasileiras que, por si só e de uma assentada, beliscou a popularidade do Presidente da República (PR), Marcelo Rebelo de Sousa, e chamuscou mais um membro do Governo demissionário, o Secretário de Estado da Saúde (SES), Lacerda Sales, a meu ver insubsistentemente.

Do PR, enquanto titular da mais alta instituição do país – a Presidência da República – e seu representante, bem como garante do regular funcionamento das demais instituições democráticas, exige-se uma actuação isenta, imparcial e cumpridora da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Aos membros do Governo, enquanto órgão superior da administração pública, exige-se que, no cumprimento das suas funções, respeitem as atribuições e competências previstas na CRP para cabal satisfação das necessidades colectivas dos portugueses.

Neste enquadramento, terá o PR cometido alguma irregularidade quando, em 2019, após ter recebido um email do seu filho, Nuno, residente no Brasil – que indagava o ponto de situação de um pedido de consulta médica ao Hospital de Santa Maria (HSM) para duas gémeas luso-brasileiras, sofrendo de atrofia muscular espinal – o enviou ao Governo?

Numa primeira abordagem da TVI sobre esta questão, o PR disse não se lembrar de ter recebido qualquer email sobre tal assunto. Porém, alguns dias depois, convocou os jornalistas para informar o país da recepção desse email em Belém e do seu posterior reenvio, dez dias depois, para o Governo com o remetente anonimizado.

Após estas declarações, o PR foi alvo das mais duras críticas, desceu nas sondagens da popularidade e, num ápice, passou de Presidente dos afectos a Presidente do favorecimento, do compadrio, das cunhas, etc, etc.

Posteriormente, as atenções jornalísticas e dos comentadores de televisivos centraram-se sobre o SES, Lacerda Sales, por ter vindo a público que a primeira consulta das gémeas no HSM teria sido por ele ordenada, o que o mesmo negou. E aqui chegados, desabou o Carmo e a Trindade, ordenou-se uma auditoria interna ao HSM, já concluída, a Inspecção dos Serviços de Saúde e o Ministério Público abriram inquéritos sobre a matéria, ainda em curso, e o SES foi acusado do cometimento dos crimes de abuso de poder e ou de tráfico de influência e logo condenado em praça pública sem apelo nem agravo.

É certo que, neste caso, nem o PR nem o SES estiveram bem na explicação das suas actuações, pelo que não estarão isentos de um juízo de censura ético-política, mas daí a acusá-los do cometimento de qualquer crime vai um passo de gigante inacessível a qualquer democrata que se preze.

Um óptimo ano de 2024 para todos os leitores de “O Alvaiazerense”!