Ninguém esperava nem se previa que, a meio da legislatura corrente, o país tivesse de ir de novo a votos para ultrapassar mais uma crise política decorrente da demissão do Primeiro Ministro (PM), António Costa, no pretérito dia sete de Novembro.
Ir a votos é uma exigência periódica essencial das democracias para a designação, pelos cidadãos eleitores, dos seus representantes institucionais e, vista deste ângulo, essa exigência integra a matriz dos estados democráticos. O que já não é tão aceitável é que, em Portugal, a duração média dos 23 governos, em quase 50 anos de democracia, se cifre em pouco mais de dois anos, quando as legislaturas têm quatro anos de duração constitucionalmente prevista.
Esta nova crise resultou da demissão do PM, António Costa, no seguimento de um comunicado do Ministério Público que, no âmbito de uma investigação em curso sobre a exploração de lítio em Trás os Montes, do hidrogénio e da construção de um Centro de Dados, em Sines, revelou a realização de buscas em vários locais, designadamente nos Ministérios do Ambiente e das Infraestruturas, na Secretaria de Estado da Energia e Clima, bem como em espaços utilizados pelo Chefe de Gabinete do PM e na Câmara Municipal de Sines.
Do mesmo comunicado constava ainda “o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido” e que essas referências iriam ser analisadas em Inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
Ao tomar conhecimento do referido comunicado, em especial do processo contra si instaurado junto do STJ, o PM resolveu apresentar a sua demissão do cargo de Primeiro Ministro, o que fez de imediato, nesse mesmo dia, tal como comunicou ao país. E, a nosso ver, fez bem, pois, apesar da sua presumida inocência e do desconhecimento das alegadas invocações do seu nome e autoridade para “desbloquear procedimentos”, seja isto o que for, o PM deixou, a partir desse momento, de reunir as condições mínimas para continuar no exercício do cargo com dignidade e acima de qualquer suspeita.
E agora? Agora, após mais uma antecipada campanha eleitoral que, tudo o indica, ao invés de apresentar propostas credíveis e soluções exequíveis para os reais problemas do país, vai perder-se em promessas inconsistentes, iremos de novo a votos na esperança de legitimar, de entre os candidatos propostos pelos directórios partidários, aqueles que os proponentes acham mais capazes e habilitados a representar-nos.
É certo que não há democracia sem partidos e o nosso sistema político está subordinado a esse princípio fundamental previsto no artigo 10º da Constituição da República Portuguesa (CRP), mas a organização e expressão da vontade popular não podem constituir nem ficar reféns do monopólio partidário. Sobretudo quando a participação eleitoral vem atingindo, de acto em acto eleitoral, elevados níveis de abstenção.
A criação de círculos uninominais poderia contribuir para revitalizar a democracia, minimizar a abstenção e aproximar os eleitos dos eleitores, contribuindo para uma maior coesão social e territorial, na medida em que esses eleitos tenderiam a preocupar-se também com os interesses regionais dos círculos que os elegessem.
Mas, desenganemo-nos, pois não será desta que isso irá acontecer e que, prestes a celebrar meio século de existência, possamos considerar madura a nossa democracia.