Há uns anos atrás, como alguns estarão lembrados, correu na televisão uma rábula humorística acerca de um infortunado náufrago, arrastado para uma ilha deserta, que passava os dias a desafiar a imaginação para sobreviver e a perscrutar o horizonte na ânsia de avistar um barco que o levasse de volta ao seu amado país, Portugal.
Anos passados esse dia chegou, finalmente, e o náufrago, esquelético e de barbas proeminentes, foi avistado por um navio que o recolheu e cuja tripulação, após lhe ter prestado todos os cuidados e assistência devidos, ávida de curiosidade, quis saber o que lhe acontecera, tendo o náufrago, por entre lágrimas de saudade e palavras emocionadas, descrito a sua odisseia. Mas, mal acabou o seu relato, disparou a pergunta que o consumia: e como vai o meu país?
Na rábula, a resposta sobre o estado do país era tão frustrante e desanimadora que o náufrago, incrédulo e surpreendido pela realidade reportada, respondia aos seus interlocutores, decepcionado e abatido, que, assim, preferia voltar para a ilha.
Esta foi a imagem que me veio à mente quando, em jeito de balanço do passado recente e de projecção do nosso futuro colectivo, me pus a cogitar sobre o actual estado da nação neste início de 2023.
Senão vejamos: em 2020, devido à pandemia, as pessoas foram forçadas a permanecer em casa e a privar-se de muitos dos seus hábitos sociais para diminuir os riscos de contágio e evitar o perigo do seu agravamento, de consequências nefastas e imprevisíveis. A economia abrandou e entrou em estado de pouco mais que letargia, sobretudo nos sectores em que o recurso ao teletrabalho não era viável nem possível. Em 2021, com os progressos da ciência médica e eficácia das vacinas anti-covid, o país começou lentamente a retomar a normalidade e a tentar sair da paralisia económica em que mergulhara, tentando recuperar dos traumas sociais que o afectaram, pese embora alguns deles ainda hoje persistam.
Em 2022, quando quase todos nós acreditávamos que iria ser o ano da recuperação e de retoma da normalidade existencial, eis que, menos de um século depois da segunda, começa na Europa mais uma guerra, protagonizada pela Rússia e Ucrânia, que, para além da instabilidade e consequências próprias de qualquer conflito bélico, afectou toda a economia europeia, fazendo disparar a inflação, aumentar os preços dos bens essenciais e energéticos com as consequentes perdas de poder de compra das pessoas e aumento generalizado da pobreza.
Prestes a completar um ano de duração, ainda não se vislumbra ao fundo do túnel qualquer luzinha que permita enxergar o caminho da paz entre os beligerantes, pelo que a guerra estará aí para durar e, o que é mais grave, as suas nefastas consequências perdurarão sobre as economias europeias agravando as condições de vida e de subsistência de todos nós.
Por cá, para além de tudo isto que não é de somenos, o país tentou, neste início de 2023, sacudir a letargia e seguir em frente mas logo entrou num grande alvoroço em sectores nevrálgicos e fundamentais da sociedade, como é o caso da saúde em que o SNS se esvai de insuficiência em insuficiência, cada vez mais exaurido em meios e recursos humanos qualificados. Na educação, os professores reivindicam o que lhes é justamente devido, como o pagamento do tempo de serviço já prestado e condições de trabalho condignas. E como se tudo isto não bastasse para agravar o cenário, o governo tarda no acerto da equipa, perde gás e voa baixinho sob o folhetim das trapalhadas da TAP.
Ai que se eu pudesse, também voltava para a ilha.