Na penúltima semana de Outubro, mais precisamente na madrugada de dia 21, segunda- feira, a Polícia de Segurança Pública (PSP) baleou um cidadão cabo-verdiano, Odair Moniz, de 43 anos e pai de três filhos, no Bairro da Cova da Moura, Amadora, que viria a falecer em consequência do disparo.
Nas noites subsequentes, o Bairro do Zambujal, onde residia Odair, e várias zonas da grande Lisboa viriam a ser alvo de tumultos e de perturbações da ordem pública com destruição e vandalização de diverso património público e privado, nomeadamente a queima de caixotes do lixo e ecopontos, de viaturas automóveis, de autocarros de passageiros e respectivas paragens, rebentamento de petardos, etc., tal como abundantemente noticiado e mostrado pelas TVs.
Independentemente das circunstâncias que rodearam a intervenção da PSP – que estão a ser apuradas pela Polícia Judiciária (PJ) e Ministério Público (MP) – a verdade é que a morte do referido cidadão viria a ser o detonador de uma forte onda de revolta e contestação, por parte de uma larga camada de jovens encapuzados, contra a actuação da Polícia. Onda esta que rapidamente alastrou aos concelhos de ambas as margens do rio Tejo, atingindo proporções, estragos, inquietações e medos nunca antes vistos em Portugal.
De um momento para o outro, o nosso país que se considerava dos mais seguros da Europa, quiçá mesmo do Mundo, tornou-se inseguro, intranquilo e incerto sobretudo para os residentes nas periferias das grandes áreas urbanas.
E porquê toda esta contestação? Porque, acima de tudo, os contestatários acham que a vítima mortal com a qual se identificam e sentem solidários foi alvo de uma acção excessiva e desproporcionada da PSP eventualmente induzida, também, pelo facto de a mesma ser negra.
Perante este inusitado cenário, as cúpulas da PSP vieram a público reafirmar o incremento e musculação das acções de polícia nos bairros afectados para reposição da legalidade, tranquilidade e ordem pública e os responsáveis políticos apressaram-se a apelar à serenidade e fim dos protestos, reafirmando que, após as investigações em curso para o cabal apuramento da verdade sobre o que efectivamente se passou, seria a vez da Justiça actuar, apreciando, julgando e decidindo.
Ainda que, do ponto de vista formal, tudo isto seja correcto e inteligível, não vimos nem ouvimos nenhum responsável do Estado deixar uma nota de esperança sobre a melhoria das condições – ou pelo menos de algumas – em que vivem os residentes destes bairros, ditos sociais, sensíveis ou problemáticos as quais, associadas à pobreza e exclusão social, geram um caldo propício à segregação e marginalização social.
Acresce que a sessão parlamentar onde foram analisados os tumultos sociais acima referidos, ao invés de tentar fornecer contributos para uma solução correctiva e performativa das razões que lhes subjazem, saldou-se por mais um péssimo exemplo do que deve ser uma análise e discussão política, séria e construtiva, sobre um grave problema de segurança nacional.
É certo que sem segurança não há liberdade nem paz social mas a mesma não pode ser assegurada a qualquer preço, muito menos à margem da lei e em desrespeito pelos direitos e liberdades individuais, sob pena de se violentar e atentar contra o Estado de Direito Democrático.