A população da freguesia de Almoster ainda recorda o pesadelo dos incêndios que dizimou quase por completo o seu território e já vive mais um, com a perspetiva de ver o seu solo, principalmente a norte, – a começar pelo lugar do Murtal, esventrado, com a provável prospeção e pesquisa de depósitos minerais.
Isto porque, aos 28/03/2023 a Sociedade, Aldeia S.A., com sede em Leiria, efetuou junto da Direção Geral de Energia e Geologia, um “Pedido de atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais para uma área denominada “Murtal””, juntando para o efeito um conjunto de pareceres, entretanto obtidos junto de diversas entidades.
Dessa documentação, consta, de acordo com a proposta do “Plano geral de trabalhos de prospeção e pesquisa”, que, “os minerais a prospetar são as areias siliciosas e as argilas especiais, plano a executar ao longo de dois anos, prevendo-se um investimento total de €32.750,00, podendo ser renovado por igual período e montante”.
Prevê aquela empresa a execução dos trabalhos em duas fases. Numa primeira, “a execução de trabalhos de salvaguarda e segurança das pessoas e bens; numa segunda, “ao longo do período contratual, em que todas as áreas intervencionas serão objeto de restituição de toda a flora autóctone que possa ter sido necessário remover”, ou seja, a “reconversão total da área intervencionada.
Prevê ainda “a execução de um plano de gestão dos resíduos, acondicionados e/ou removidos atempadamente, assim como a correta utilização de óleos lubrificantes de motores, ou a eventual necessidade de reciclagem de outros”.
Relativamente ao plano de eficiência hídrica e proteção dos recursos hídricos, segundo a empresa, “Aldeia S.A.”, “não se antevê que os trabalhos de prospeção e pesquisa sejam suscetíveis de geração de impactes negativos significativos nos recursos hídricos”, ainda assim, “procurará eficazmente salvaguardar as devidas distâncias relativamente às linhas de água para mitigar quaisquer riscos de contaminação”.
No aspeto das contrapartidas para o estado e o município, propõe aquela empresa, “contratar preferencialmente trabalhadores com domicílio fiscal em Alvaiázere”, a “beneficiação das vias de acesso às áreas afetas aos trabalhos, prevendo a prestação de uma garantia, na forma de caução, a determinar em momento de negociação contratual”.
Tendo em conta que existem aglomerados populacionais a menos de 1Km de distância da área a intervencionar, preveem a “implementação de todas as medidas necessárias para minimizar os seus impactes”, tais como o rigoroso cumprimento dos níveis de ruído ou a minimização da emissão de poeiras”. Aqui começa a inquietação da população, se “é proibida a prospeção e pesquisa no leito e margens de águas superficiais e num perímetro de 1 Km de aglomerados urbanos ou rurais” “como é que se autorizam este tipo de trabalhos?”
Da documentação disponível, constata-se ainda, nomeadamente do parecer da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro – CCDRC, datado de 12/05/2023, que, “de acordo com a delimitação da Reserva Ecológica Nacional – REN, a área objeto do pedido, se situa em área parcialmente condicionada nas tipologias, Áreas com risco de erosão e leitos dos cursos de água”, correspondendo aquelas áreas, de acordo com o Anexo IV ao Dec. Lei 166/2008, a “Áreas de elevado risco de erosão hídrica do solo e Cursos de água e respetivos leitos e margens”.
Refere-se ainda no ofício o facto de “As sondagens mecânicas e outras ações de prospeção e pesquisa geológica de âmbito localizado, dadas as categorias da REN em presença, aquele procedimento se encontrar sujeito ao parecer obrigatório e vinculativo da Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., a solicitar pela CCDRC.
Ainda, de acordo com o ofício do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas – ICNF, datado de 22/05/2023, se considerar que, “a área designada “Murtal” situa-se parcialmente no interior da zona especial de conservação de Sicó/Alvaiázere, no âmbito da Rede Natura 2000”.
Aos 15/05/2023, pronunciou-se igualmente a Direção Regional da Agricultura e Pescas do Centro, no sentido de que, “A área em causa interceta solos integrados na Reserva Agrícola Nacional – RAN, sendo a área sobreposta de 21,0ha, tendo ainda sido identificada uma exploração agropecuária inserida na área em causa, devendo o promotor obter o competente parecer prévio vinculativo na eventual intervenção ou utilização não agrícola na área RAN”.
De acordo com a informação disponibilizada nos diversos pareceres, aos 05/07/2023, em sede de reunião ordinária pública da Câmara Municipal de Alvaiázere, foi emitido “parecer favorável condicionado ao cumprimento das normas legais e regulamentares, relativamente ao pedido de atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de depósitos minerais” – processo com a refª. MNPPP856 “Murtal”.
É certo que, “a utilização não agrícola das áreas integradas na RAN, só pode verificar-se, quando, cumulativamente, não causar graves prejuízos para os objetivos da RAN”, a saber, entre outros, “Proteger o recurso solo, elemento fundamental dos terrenos como suporte do desenvolvimento da atividade agrícola; Contribuir para o desenvolvimento sustentável da atividade agrícola; ou, Contribuir para a preservação dos recursos naturais” e, “não exista alternativa viável fora das terras ou solos da RAN, no que respeita às componentes técnica, económica, ambiental e cultural, devendo localizar-se, preferencialmente, nas terras e solos classificados como de menor aptidão”, quando esteja em causa a “Prospeção geológica e hidrogeológica e exploração de recursos geológicos, e respetivos anexos de apoio à exploração, respeitada a legislação específica, nomeadamente no tocante aos planos de recuperação exigíveis”.
É, fundamentalmente neste aspeto, que a população da freguesia de Almoster considera que o projeto em causa “não traz benefícios de qualquer natureza para a população” envolvida. Sendo uma área predominantemente agroflorestal, em que a população vive essencialmente centrada na atividade agrícola, os poucos recursos que a floresta lhes proporcionava desapareceram ao longo dos anos por causa dos sucessivos incêndios que tem assolado a freguesia. Os impactos ambientais que se esperam com a prospeção são óbvios, basta recordar, – e aqui os proprietários de terrenos confinantes com a ribeira cuja nascente tem a sua origem na encosta do “Palmeiro”, como é conhecida, podem testemunhar isso mesmo, iniciou-se há décadas a exploração de produtos semelhantes aos que agora estão em causa, na localidade do Murtal, sendo terríveis os efeitos da erosão provocada nos terrenos agrícolas aquando do transbordo do leito da ribeira. Ribeira essa que em tempos idos, servia de lavadouro às gentes dos lugares à volta, agora envolvidos nesta preocupação.
Consideram ainda que “se está a colocar em causa o bem estar das pessoas de Almoster”, questionam o “fundamento para a concessão do parecer positivo por parte a Câmara Municipal”, além de que “a poluição sonora e atmosférica trará consequências inevitáveis para a saúde da população local, para o desenvolvimento de atividades agrícolas”, “aumentará a desertificação da flora local”, “as consequências da erosão serão terríveis”, “o impacto da exploração trará consequências quer a nível ambiental quer ao nível da destruição das vias de acesso ao local”, – basta recordar o impacto que provocou a que há décadas teve início no Murtal.
E, tudo isto, numa altura em que “tanto se fala em combater a desertificação, proteger os territórios de baixa densidade” e, em que, por ironia do destino, alguns jovens decidiram manter as suas origens, fixando-se nas aldeias em redor, pela tranquilidade, pela qualidade de vida, do ar que se respira, – para já não falar na quantidade de cidadãos estrangeiros que igualmente tem vindo a procurar a tranquilidade destes lugares, onde investem, construindo nalguns casos de raiz as suas habitações, vêm-se agora “confrontados com esta dura realidade de não se sentirem minimamente protegidos”. Como referem, “o passado da maior parte desta gente foi difícil, agora que pensávamos estar a viver com alguma tranquilidade, surge mais esta guerra”, temem pela “desvalorização do património” que com sacrifício ali construíram, receando ver aqueles lugares pura e simplesmente “desaparecerem” ou perderem o direito de “usufruírem dos seus terrenos, por via das expropriações”.
Continuando a expressar a sua indignação e revolta, conforme se pode constatar da ata da reunião de Câmara de dia 5 de julho, pelo facto de, quando questionado, o Sr. Presidente da Câmara ter referido que “a população não tinha sido auscultada”, e que “ainda não foi partilhada informação pormenorizada à Junta de Freguesia de Almoster”, situação que “não se entende”. “Como é que a Câmara Municipal emite um parecer, sem consultar a junta de Freguesia, onde se situam os terrenos objeto do parecer?”
Esclareceu ainda o Sr. Presidente da Câmara, na referida reunião, que “se trata de um parecer para prospeção e pesquisa”, salientando que “todos os terrenos em causa são propriedade privada, pelo que se este processo tiver seguimento, cada um dos proprietários será consultado pela empresa e terá de chegar a acordo com esta para que haja exploração no seu terreno, ou seja, cada um dos proprietários terá que dar ou não o aval à exploração”. Reforçou ainda que, “esta é uma fase muito inicial do processo, estando em causa o parecer para atribuição de direitos de prospeção e pesquisa, e não de exploração”, argumentos que parecem não tranquilizar a população envolvida.
A sua revolta é de tal ordem que, num grupo no WhatsApp, “Todos por Almoster”, – que tem vindo a crescer de forma significativa, ali expressam a sua união, opondo-se de forma determinada à concessão e onde expressam as mais diversas propostas de iniciativas para fazer ouvir a sua indignação, apelando, por exemplo, à Junta de Freguesia a esclarecer a população, a participação massiva dos cidadãos na consulta pública em curso (até ao próximo dia 09 de novembro, em www.participa.pt) ou ainda a apresentação de um Abaixo Assinado, com o objetivo de angariar 7.500 assinaturas para levar o assunto a debate junto do plenário da Assembleia da República. Nesta petição começam por “exigir que seja revertido o parecer que a Câmara Municipal emitiu”. Segundo referem, “defende-se a valorização e o crescimento económico da região e do país, mas não somos, nem seremos, a favor da destruição dos bens mais preciosos que temos na nossa terra, – a natureza e a água, em favor de interesses que, de maneira alguma, sejam contrários às necessidades da população residente e de todos aqueles que alguma relação tem com a região”.
Expressam desta forma, a sua “profunda indignação sobre a atribuição de direitos de prospeção e pesquisa de areias siliciosa e argilas especiais, por parte da Câmara Municipal de Alvaiázere, à empresa “Aldeia S.A.”