PROPRIEDADE: CASA DO CONCELHO DE ALVAIÁZERE

DIRECTOR: MARIA TEODORA FREIRE GONÇALVES CARDO

DIRECTOR-ADJUNTO: CARLOS FREIRE RIBEIRO

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Democracia e tutti-frutti

Na primeira semana de Fevereiro, o Ministério Público (MP) deu por concluídas as investigações sobre vários políticos e autarcas, maioritariamente de Lisboa, iniciadas há mais de oito anos, acusando 49 arguidos e 11 empresas do eventual cometimento de um rol de 463 crimes, nomeadamente, de corrupção activa e passiva, prevaricação, tráfico de influência, branqueamento, burla qualificada, falsificação de documento, abuso de poder e recebimento indevido de vantagem, lesivos em mais de meio milhão de euros para o Estado.

Entre os acusados, contam-se dois Deputados da Assembleia da República (AR), um ex-Deputado e actual líder de bancada na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), um vereador da Câmara Municipal de Lisboa (CML) e os actuais Presidentes das Juntas de Freguesia de Santo António, da Estrela e do Areeiro, de Lisboa, todos do PSD, bem como a Presidente da Junta de Penha de França, uma vereadora da CML e um vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, os três do PS.

Para os arguidos que exercem cargos políticos, caso dos autarcas e deputados, o MP pede que, no caso de virem a ser condenados, percam cumulativamente os respectivos mandatos, pois que “se valeram dos respectivos cargos para, deles abusando, satisfazer interesses de natureza privada em prejuízo do interesse público, com grave violação dos deveres inerentes ao exercício das suas funções públicas”.

Obviamente que este caso, conhecido por “tutti frutti”, não é virgem, nem será muito provavelmente o último a ser conhecido. Mas impressiona, sobretudo, pelo número de arguidos eleitos envolvidos numa ampla teia de interesses comuns, transversal aos dois maiores partidos do nosso espectro político, tendo por objectivo primário a satisfação de interesses pessoais e privados em detrimento e com manifestos prejuízos para o erário público que, em última análise, é de todos nós.

Acresce que, tendo sido eleitos de boa-fé e com base no pressuposto de que seriam idóneos e confiáveis para o desempenho dos respectivos cargos públicos, alcandorados aos mesmos, não se coibiram de mandar a idoneidade às malvas e de trair a confiança de quem os elegeu, abusando dos mesmos cargos e servindo-se, despudoradamente, a si próprios.

É certo que, como diz o povo na sua imensa sabedoria, no melhor pano cai a nódoa, o que vale por dizer que, apesar da censura e veemente condenação das actuações imputadas aos arguidos, os partidos a que os mesmos pertencem não devem ser responsabilizados pelas mesmas, seja a que título for. Mas isso não obsta, antes impõe que, no caso de os mesmos virem a ser condenados, os respectivos partidos não deixem de tomar as medidas profilácticas e correctivas necessárias para erradicar do seu seio as maçãs contaminadas pelo vírus da ganância, da venalidade e do grave atropelo dos princípios democráticos.

São casos como este e a sua proliferação que abalam e minam a confiança dos cidadãos na democracia e nas suas virtualidades, a ponto de baixarem a guarda e deixarem de a defender como, de entre todos, o sistema político mais equilibrado, mais justo, mais livre e mais igualitário. Daí que os partidos políticos, enquanto agregadores e catalisadores da participação cívica e do exercício da cidadania democrática, devam ser intransigentes e inflexíveis com os violadores e prevaricadores das regras e princípios democráticos, sob pena de, não o fazendo, estarem a dar tiros nos pés e a contribuírem para o crescimento dos populismos, o avanço dos extremismos e, no limite, o descrédito e extinção da própria democracia.

Apesar dos recorrentes sinais de crise, aos partidos políticos democráticos exigem-se comportamentos e medidas, firmes e coerentes, que contribuam para a necessária revitalização e consolidação democrática.