Na semana em que escrevo foi notícia na comunicação social a revelação pública de uma escuta efectuada no âmbito do processo “Influencer”, sobre uma conversa, de Março de 2023, entre o então Primeiro Ministro (PM), António Costa, e o seu ex-Ministro, Galamba, a propósito da necessidade de demissão da Presidente do Conselho de Administração da TAP, Christine Widener, na sequência da indemnização milionária paga por esta a Alexandra Reis.
O referido processo continua na fase secreta de investigação, exclusivamente a cargo e sob a égide do Ministério Público (MP), pelo que, alegadamente, só a este cabe assumir a autoria e responsabilidade pela fuga da respectiva notícia para o órgão informativo que primeiramente a divulgou, no caso a TVI/ CNN-Portugal.
Aparentemente, tal revelação, apesar de condenável por constituir mais uma violação do segredo de justiça, não versa sobre qualquer irregularidade nem tem qualquer relevância penal, expressando apenas uma troca de impressões entre o PM e um Ministro seu subordinado acerca de um assunto da governação do país e das suas respectivas competências.
Não tendo qualquer conexão com as matérias em investigação no processo em causa, não se percebe, assim, à luz da lei processual, qual a razão por que a conversa terá sido validada e inclusa no mesmo, em vez de ser destruída.
Trata-se, com efeito, de uma conversa estritamente política, não conexionada com o objecto da investigação em curso e totalmente irrelevante para o prosseguimento do referido processo, qualquer que venha a ser o seu desfecho final.
O que já não é tão irrelevante é que, sendo António Costa o candidato actualmente mais bem posicionado na grelha para próximo Presidente do Conselho Europeu, esta fuga de informação, ao invés de beneficiar essa candidatura, em nada contribui para isso e apenas adensará eventuais dúvidas ou reservas dos seus opositores a tal cargo.
E o que é estranho, senão mesmo irónico, é que, competindo ao MP defender a legalidade democrática, seja por via de uma sua acção, ilegal e lesiva da privacidade individual, que António Costa possa ver prejudicada a sua candidatura ao referido alto cargo europeu.
Qualquer que seja o resultado da candidatura, a violação do segredo de justiça em mais este caso, para além dos prejuízos pessoais já causados e dos que eventualmente possa vir a causar, contribui manifestamente para reforçar a ideia, cada vez mais generalizada, da acentuada descredibilização da Justiça e da imperiosa necessidade da sua reforma como recentemente exigido por uma centena de ilustres personalidades públicas no designado “Manifesto dos 50 + 50”.
Ainda mais estranho é que, estando os magistrados do MP hierarquicamente subordinados à Procuradora Geral da República (PGR), a titular deste cargo, Lucília Gago, não tenha, até à data, achado que, no mínimo, devia ao país uma explicação por mais esta flagrante e manifesta violação da lei do segredo de Justiça, tendo-se limitado a mandar investigar este ilícito criminal.
Em democracia todos os órgãos do Estado se subordinam à Constituição e à Lei, nenhum deles estando acima das mesmas ou subtraído ao escrutínio democrático. Ao que sabemos, prestes a terminar o seu mandato de seis anos de cargo, a PGR jamais deu qualquer explicação pública, por mais sucinta que fosse, sobre o exercício do mesmo o que, manifestamente, não abona a seu favor nem transparece a Justiça.