Através da CNN/TVI, soube-se no início de Outubro que o Juiz Ivo Rosa, responsável pelo julgamento da instrução do famoso processo “Operação Marquês”, actualmente em fase de julgamento e tendo por principal arguido o ex-Primeiro Ministro, José Sócrates, foi, na sequência de alegada denúncia anónima, alvo de quatro processos de investigação por parte do Ministério Público (MP).
Tais processos decorreram durante três anos, aproximadamente, entre 2021 e 2024, sem que o investigado deles tivesse conhecimento e, a final, foram alvo de despacho de arquivamento, tendo sido também determinada a destruição dos autos para que estes não pudessem vir a ser consultados.
No decurso dessas investigações, o referido Juiz terá sido seguido, vigiado e as chamadas do seu telemóvel analisadas e escrutinadas. As suas contas bancárias e declarações fiscais foram também analisadas e devassadas com base na mesma denúncia anónima, aparentemente vaga e não fundamentada, sem apresentação de qualquer prova.
Ivo Rosa tinha sido o Juiz responsável pelo despacho de pronúncia proferido no processo “Operação Marquês” no qual desfez parte substancial da acusação do Ministério Público contra o ex primeiro-ministro José Sócrates e outros arguidos, posteriormente revertida pelo tribunal da Relação de Lisboa. Ao vir a ser investigado após essa decisão com base numa ou mais denúncias anónimas de duvidosa consistência até parece soar a desforra por parte do mesmo MP.
O facto de o Juiz Ivo Rosa ter sido alvo de investigação não fere quaisquer susceptibilidades nem deve ser considerada, em si mesma, como excepcional num estado de direito democrático em que a lei é igual para todos e a todos deve ser aplicada, sem excepções, tal como nela preconizado. O que já não parece de tão meridiana clareza é que o investigado tenha estado sob vigilância e investigação criminal durante três anos com invasão e devassa da sua privacidade e, no final, perante a provada inconsistência das suspeitas de que era alvo, não ter sequer o direito de saber que fora investigado e que nada se apurou em seu desabono.
O segredo da investigação que se compreende e aceita em matéria penal não pode ser levado ao extremo de vir a transformar-se em secretismo, sobretudo para os visados e para além do encerramento dos autos. Neste caso, não fora o trabalho de investigação jornalística levado a cabo pela CNN/TVI, nem o visado nem a sociedade teriam sabido de tal investigação e talvez até os autos já tivessem sido destruídos como preconizado no despacho final do seu arquivamento.
A Justiça é exercida em nome do povo e tem de ser clara, isenta e imparcial, sob pena de minar a sua credibilidade e de não cumprir cabalmente a sua função social. E acima de tudo tem também de ser inteligível para ser compreendida e aceite pela generalidade dos cidadãos.
Tal implica e impõe que o MP e a Procuradoria Geral da República enquanto garantes da legalidade do Estado actuem dentro do domínio da lei e que os seus actos não estejam subtraídos ao escrutínio público.
O visado já requereu ao MP o acesso aos autos investigatórios de que foi alvo, mas decorrido o prazo legal para resposta ainda não obteve qualquer decisão, o que mais acentua a opacidade e secretismo do caso, inculcando a ideia de que o MP receia pela sua reputação. Mas como diz o ditado, “quem não deve não teme” e a lei a todos obriga.
Um órgão da Justiça que tenta subtrair-se ao escrutínio sobre os seus actos não contribui para a dignificação daquela nem para a consolidação do estado de direito democrático.